terça-feira, 8 de junho de 2010

Um dia em Macuse...

"Você é o meu conto de fadas, minha alegria, meu conto de fadas, minha fantasia"


"Com você, aprendi o que é o amor, e sempre que for pensar em você, carinhosamente vou dizer..."

São frases das duas músicas, uma na voz de Maria Bethânia e outra na voz de Luciana Mello. Não pára de tocar no meu youtube. Com a inspiração de ambas, que nada tem a ver com o próximo dia comercial dos enamorados, que irei postar hoje.

Estava num momento bem distante. Acho que meus dias no Brasil estão sendo tão intensos que parece que nem mais sinto o cheiro de Macuse. Parece que Macuse e Moçambique ficaram em uma dimensão de sonhos, algo que as vezes paro pensando se realmente eu vivi. Aí, nesses momentos, relembro histórias hilárias. Hoje vou contar uma que tive em Macuse, quando estávamos fazendo uma festinha de despedida, mais uma das +/- 10 que fizemos por lá antes de irmos embora (festa, diga-se de passagem, pra 2-3 o mais cheio? 4 pessoas... rs, sabe como é "carioca né?!", não se contenta em se despedir uma vez, tem que ter várias vezes, ossos sendo enterrados diariamente...).

Bem, lá estávamos nós, em um sábado do mês de janeiro, quando no dia anterior decidimos fazer uma festinha no dia seguinte. Um dos companheiros de casa convidou a peace corps que lá vivia. Então, confirmado na hora que a dita cuja iria, lá sai eu com a bicicletinha atrás de coisitas pra que a festa pelo menos não fosse tão simples.
Eram mais ou menos 17:15 horas, na estação de chuvas, umas 17:40 já estava um breu suficiente pra não se enxergar nada a um palmo de distância, sai eu de casa. Olho no meu bolso, esqueço o maravilhoso celular/lanterna que eu tinha. Pensei: vou e volto rápido, há de dar tempo.

Quem me conhece sabe que eu sou as vezes positiva demais e freak out demais também. Com a junção de ambos, passo pela tão temida ponte quase caída, chego na primeira casinha, ao qual fui buscar algum quitute. Nada, a senhora tinha parado de vender. Isso já era o sol sumindo. Desespero. Vejo que se escurecer e não conseguir atravessar aquela ponte de novo, vou ficar do outro lado, e o medo de cobras e afins começa a tomar conta de mim.

Vou ou não vou? Vou comprar ou não?! Bem, pra quem me conhece, eu nunca saio em uma missão sem completá-la da forma mais digna possível. Descobri naquele dia que haviam aberto um digamos, hotel. Lá eu acharia o que procurava (galera, escrevendo estou me sentindo até que estava comprando drogas... rs... mas era coisa normal pra se fazer jantar... hahaha). Quebrando uma das regras: não saia sozinha de casa e muito menos a noite, lá estava eu, correndo para pegar o lugar aberto.

Olho para o céu, de vermelho começa a mudar para azul petróleo. A noite estava próxima, o breu e o meu medo também. Um cachorro poderia farejar isso tudo há uma milha de distância. Meu Deus! Dá para me atender logo? Estava eu bufando esperando que o pseudo hotel, vendinha e bar, algum ser que ali trabalhasse, pudesse me atender. Quem conhece moçambicano sabe: paciência é virtude... african time, baby, african time!!

Eu, com toda a minha educação possível (não podemos ser mal educados, assim simplesmente eles não atendem), pedi o que queria. O menino diz que tem que terminar de contar o dinheiro. Eu digo, "meu filho! Tenho que ir embora agora, por favor me atenda e depois você conta o dinheiro". Acho que ele percebeu o temor dos meus olhos. Atendeu. Uma coisa que por aqui levaria não mais que alguns segundos, lá leva alguns minutos. Minutos esses que estavam mais contados que dinheiro de assalariado mínimo. Pegou tudo. Ai meu Deus! Graças! Eu penso rápido, então, na minha cabeça já estava xingando até a vigésima geração da nossa convidada.

Dei o dinheiro. "Xiiiii, tenho troco não.", me diz o atendente. "Aii, você tem troco sim! Olha aí na caixinha." Pega dali, daqui, pede pra um dos clientes e está lá. "Faltam 10 meticais." Tudo bem, queria fugir dali o quanto antes.

A mala de viagem da Elis servia e muito como nossa mala para compras. Botei tudo ali dentro, na hora de prender na bicicleta, ela cai. Sabe aquelas séries de espião aonde são contados cada segundinho? Cada gota de suor parecem um dia? Era isso que eu estava sentindo. O céu já estava escurinho. Sabia que não mais que uns 7 minutos eu teria. Sabia também que a ponte estava dali uns 5 minutos correndo (o caminho todo era de areal, sabia que iria ter que fazer um esforço acima do normal).

Aaaaaaaaaahhhh!!! Minha cabeça girava a mil. Consegui pôr as coisas na bicicleta. Na primeira pedalada, gente não é mentira, não é cena de novela ou filme americano, simplesmente a corrente soltou! Desci, me acalmei, tentei esquecer e por o mais rápido possível. Pronto. Minha barriga doía. Noite, cobras, possível louco querendo estuprar uma muzunga, um outro bicho qualquer, gente bêbada, cadê postes com luz pública?, cadê uma ponte decente? cadê pelo menos uma rua? detesto mato! detesto ter medo. Ai! Tudo isso passava na minha mente enquanto meus dedos passavam pela graxa da corrente. Aí me lembrei, me dei um soco cerebral, tinha bicicleta, porquê nunca aprendi a mexer nelas? Botei. Pronto.

Olhei para o céu. Escuro o suficienta para eu começar a chorar. E tá lá uma lágrima a sair do meu rosto. Passou vagamente o dia em que eu fiquei presa em Supinho. Subi na bicicleta. Corri. Corri como nunca na minha vida. Já não enxergava muito. Batia em buracos no areal. A bicicleta prendia. Fui pelo meio do matinho. Virei na esquerda. A ponte estava chegando na mesma proporção que a escuridão tomava conta. Ainda dava pra enxergar a 1 metro de distância. Menos pior, né? Corri. A bicicleta não conseguia subir por uma leve elevação: muito areal. Desci da bicicleta. Corri com ela. Meu Deus! Tá chegando. Minha excitação e a minha luta pela "sobrevivência" fazia me lembrar que eu já estava quase indo embora daquele país.


Para quem não se lembra ou é a primeira vez que lê o meu blog. Tinha um total pânico da ponte. Eu passava por ela igual a bebê, ou engatinhando (sim! igual a bebê!) ou de mãozinha dadas com a Elis. Sempre riam da minha cara, mas lá estava eu. Cara-a-cara com os dois maiores medos que eu tinha naquela minha vida: a escuridão e a ponte.

Vejo a tão bela e detruída ponte. Respiro. Ainda dava pra olhar três toras. Nada mais. Não dava pra ver o final dela. Mas quem liga? O importante é que eu enxergava 3 toras! Desci. Fui. Pé a pé. Desequilibrei logo no início. Continuei. Cheguei ao fim. Gritei! Campeã da Copa do Mundo! Chorei que nem criança. Quando cortei caminho pela machamba (ou garden ou plantação de milho), tive que descer da bicicleta, já não dava mais pra enxergar, mas estava há algumas dezenas de metros da "rua" que levava a minha casa. Nela tinham alguns postes com luz. Meu Deus. Apesar de ainda ter o medo de cobras em minha mente, a única coisa que se passava nesse momento era que eu tinha vencido a ponte e a escuridão. O choro era uma mistura de alegria e tristeza. O choro era a lavagem da minha alma.

Cheguei em casa. Olho para cima, aonde ficava nossa varanda. Lá estava a convidada que eu tanto xinguei na mente. Sentada tinha um outro brasileiro e a Elis. Eles conversavam em inglês. Fiquei olhando para eles. Por um bom tempo eu chorava e ficava lá embaixo olhando para eles até eu pedir ajuda. Elis desceu. Minhas pernas tremiam tanto que nem eu entendia.

Sempre sou a menina forte e destemida. Lá eu conheci uma outra Bia. Aquele que de tão forte e destemida, passou a temer uma noite que de tão escura, fazia um barulho virar leão, e uma ponte, que de tão quebrada, me fazia a andar nela como se fosse uma criancinha.

Ah, a festa terminou bem tarde. Fizemos um jantar a la Macuse (tipo assim, macarrão com molho branco feito de cebola, óleo, pimenta preta, maizena, leite nido e sal), feijão e arroz. Best food ever! rs

Quero voltar pra minha vida de lá, aonde o tempo passa devagar e cada segundo é sentindo com um suspiro a relaxar.