Bem de longe, sinto cheiro de mudanças. Sinto aquele cheiro,
sabe? Aquele que antecede a chuva, aquele cheiro vindo bem mansinho de terra
molhada. Aquele cheiro que nos lembra da infância no sítio, ou na cidade mesmo.
Aquele cheiro que, como uma forma indubitável
que a natureza exerce grande influência sobre nós, nos acalma. Mas o cheiro,
esse cheiro é diferente e vem à milhas de distância. Esse cheiro é de mudança.
Venho acompanhado fóruns de
comentários de notícias moçambicanas. Venho lendo notícias também. Ainda
percebo que os meios de comunicação sofrem influência direta do governo. Como
eu já disse em post anteriores por aqui, não existe liberdade de expressão.
Tudo que é reivindicado ou contestado sobre o governo, é contra a democracia, é
contra a independência e é contra Moçambique. Apelido carinhosamente de “totalitarismo
democrático”[1].
Mas,
independente disso tudo, percebo que o povo começa a se expor mais. E, a intolerância contra as suas opiniões,
pelo menos nas redes sociais, começam a diminuir. Enquanto o ocidente se
preocupa em expandir a tal “democracia” pelo oriente médio, a base de bombas e
discurso, os moçambicanos procuram entender como a democracia pode ser
efetiva.
Lembro
de uma excelente conversa com um ex-aluno. Desculpem, mas eu não lembro o nome
dele, mas lembro do seu rosto e felicidade por tê-lo ajudado com o seu TCC e
com a formatação do seu trabalho. Lembro dos seus olhos brilhar e chorar quando
viu o resultado. Mas ele merecia, em Macuse, talvez tenha sido o melhor debate
que tive com alunos daquele vilarejo distante da realidade dos grandes centros.
Ele tinha uma pesquisa em andamento. Durante o conselho dos professores, ele
uma vez iniciou um debate sobre supressão de liberdade de expressão, pobreza e
governo. E nós dois conversando,
chegamos a um denominador comum, o jovem que nasce em Moçambique, não tem
permeado em si, o medo de uma nova atrocidade de Guerra Civil, pois ele não
viveu isso como seus avós, seus pais. E esses jovens, podem não tolerar a
intolerância do governo e a pobreza inserida. Esses jovens irão às ruas
protestar, brigar por seus direitos básicos, e se o governo não se flexibilizar
quanto a expressão dos jovens, quanto toda a corrupção que deixa o país com
milhares em miséria absoluta, esse governo será insustentável, e talvez uma
nova guerra civil pode vir a surgir. Isso tudo se dá, pois pelas vias
políticas, os dois maiores partidos buscam deter todo o poder, mesmo perdendo
em todas as eleições, a Renamo não quer perder o status quo de ser o segundo
partido, bem como a Frelimo não quer perder toda a governabilidade. E ambos
foram os protagonistas da guera civil findada em 1992[2].
Bem, se eles se aliam para minar novos partidos e novas políticas, torna-se
insustentável o modelo.[3] E para ajudar tudo isso, o ocidente que ai se
inclui fortemente o Brasil, apoia essa insustentabilidade futura.
Qualquer
pessoa que viveu na área rural sabe que a rádio, talvez o único meio de
comunicação de massa eficaz em Moçambique, dado toda a pobreza, é panfletário.
Pelo medo, eles falam que a Renamo irá atacar algum vilarejo e que a Frelimo
está ali para cuidar deles. Isso lembra muito o grande Big Brother. Orwell que
é mal interpretado por boa parte das pessoas, como um autor anticomunismo. A obra dele, 1984 não especifica tipo de
governo, mas basicamente o que acontece tanto na tal democracia e nos regimes
totalitários. Essas brechas que o vil poder pode levar o Estado a caminhos
sinuosos. Mas, como identificar que tudo que eu escrevi é verdade se eu não
tenho material? A rádio é em língua local. Essa rádio ao qual eu especifico, é
em língua local e até que ponto eu não sei se é a mesma das grandes cidades ou
só dos vilarejos. Que democracia é essa?
Mas, o
ponto chave ao qual me fez postar sobre isso foi ler sobre o assunto e ver
tamanha desordem que se encontra Moçambique atualmente. E essas pessoas
contestam até as reportagens. A ponte que tem o nome do atual presidente em
exercício em Moçambique (bem, prefiro não escrever sobre o assunto) é a ponte
que findou a divisão do país entre sul e norte, já que ele passa por cima do
rio Zambeze. Até inicio de 2009, quem quisesse atravessar o país do sul ao
norte, tinha que fazer a travessia do rio em ferry bolt de péssima qualidade.
Barcas que todo o ano tinha uma indo a pique. A ponte tem uma
representatividade identitária única, une o país de norte e sul. Pois bem que
ontem li uma notícia que ela estava fechada.[4] Na
notícia difusa, dizia que estava fechada por problemas em partes da estrutura.
O povo comentou sobre a qualidade das obras e afins. Até que o próprio jornal
se expos nos comentários dizendo que a ponte não tinha sofrido avarias, somente
estava fechada (então, hein?). E o próprio povo voltou a comentar até sobre o
jornal que se contradizia. Enfim, acho que eu não preciso comentar mais sobre o
“totalitarismo democrático”, mas acho que o tom que eu quero deixar é a
sociedade se revoltando.
Presidenta brasileira Dilma, ao lado dos presidentes da África do Sul e de Moçambique |
E essa
revolta se estende. Não vai somente ao governo mais. Mas as parcerias que o
governo está fazendo. A abertura do país para iniciativa privada dos governos.
China, Portugal e Brasil são os mais comentados nos fóruns. Sobre a ponte,
muitos gritaram que a culpa era das obras chinesas e sua má qualidade. Outros
falaram que era portuguesa. A Vale já foi alvo também. Uma moçambicana escreveu
na parte opinião de um jornal, sobre como os portugueses estão desembarcando em
Moçambique, julgando a cultura deles e ela grita sobre um aspecto interessante,
que Moçambique não pode ser tripé de países desenvolvidos lucrarem, quando nos
seus próprios a crise impede. Que Moçambique não tem estrutura suficiente para
os novos imigrantes com seu alto nível de educação, comparado com os
moçambicanos.[5]
O povo
moçambicano é muito receptivo. Mas eles começam a entender que nem toda a ajuda
é com a intenção de ajudar puramente um pobre país. Que essas ajudas estão
embebidas de interesses escusos e que o povo com isso, sofre. A infraestrutura
chega, mas chega ainda em passos devagar e com interesses exclusivamente
empresariais. O máximo são empresas que faz alguma estrutura básica de
sobrevivência para o local ao qual está instalada (oras, um trabalhador com
água encanada e estradas minimamente pavimentada, é a certeza de chegar no
horário de trabalho, ou seja, é um investimento para a própria empresa).
A
democracia plena é talvez a maior utopia que podemos ousar em viver. Talvez
maior até que o próprio comunismo em si. Não acredito em democracia, pois ela é
excludente. Se exclui não é mais do povo, e sim de um grupo, e se é de um
grupo, não representa uma identidade de nação, mas sim interesses próprios. Mas
eu, nessa minha eloquente forma de ver a vida, ainda acredito no povo. Sim,
nesse povo que um dia irá pedir mudanças. Irá se levantar contra Renans,
corrupções, discursos vazios, política do medo...
Peço
sinceras desculpas pela minha escrita apaixonada. Bem como os erros. Ainda mais
pela falta de empirismo incisivo. Agradeço uma conversa com uma pessoa ao qual
eu nunca vi na vida, mas em uma hora, surgiu um pequeno debate e como consequência
esse post. Nessas horas que agradeço e muito o quão bom é a cada dia sermos
receptivos a novas informações. As novas perspectivas. A troca de conhecimento.
Ou simplesmente a troca de ausência de perspectivas no curto prazo visando o
longo...
Para esse post, acompanhei o fórum do Macua, A Verdade, Moz
Maníacos, O País, dentre alguns colegas que postam sobre coisas relevantes ao
tema em questão, bem como demais meios de comunicação.
[1] Já
escreveram sobre o totalitarismo democrático, podem ler em http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/30/27
[2]
Para maiores informações sobre a história de Moçambique, pode iniciar por esse
texto: http://www.pluraleditores.co.mz/PLE04.asp?area=1
[3]
Sobre as o assunto, pode acessar http://www.dw.de/elei%C3%A7%C3%B5es-em-mo%C3%A7ambique-de-2009/a-4713068
[5]
Sobre a opinião de uma leitora, pode ler no link: http://www.verdade.co.mz/vozes/37-hora-da-verdade/34073-carta-aberta-aos-portugueses-que-querem-vir-ou-ja-vieram-para-mocambique