segunda-feira, 10 de junho de 2013

Vida e morte. Morte e vida. Parabéns. Ou não.

Penso nos meus 29 anos. O último antes da temida casa dos 30. Não que eu tenha medo de envelhecer. Não. Definitivamente não. Só tenho medo de morrer aos poucos. Assim como os severinos.

"E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza."




Atualmente venho pensado e muito na morte. Sabe? A morte aos poucos da alma. Aquela de tristeza um pouco por dia. Aquela que nos consome e nos avassala. Que retira nossa fé, nossas forças e nossas inspirações. Aquela morte, que indubitavelmente, procuramos esconder de todos, e aos poucos percebemos que ela se torna tão viva, que já não consegue compartilhar. Só respirá-la. Transpirá-la. Vivê-la. Esquecer a si mesma. Encontrar uma nova alma. Reviver.

Não. As vezes não sei se quero viver. Não que eu queira morrer. Muito menos virar hippie. Mas, a vida é tão dura e ainda endurecemos mais ela. Gosto das pessoas que adoram falar de paz, mas não percebe que a paz começa no dia-a-dia. Na gentileza ao caminhar. O não empurrar numa barca lotada. De não querer furar a sinaleira para chegar antes. Do cuidado com o próximo. Da aceitação das diferenças. Do olhar cuidadoso para os significantes do respirar.

Ocorre nos últimos anos, em meus pensamentos, o meu avô que disse para minha mãe tentar remover a minha ideia de ir para África. Naquela época, eu não sabia que ia para Moçambique. Mas ele sabia muito bem que não era para mim. Eu vivo de memórias. E elas são os monstros atrás do armário. Meu avô se foi. Antes de eu partir. Só depois que minha mãe me disse as palavras dele.

Nessas memórias vivas, não consigo esquecer o ritual de passagem de uma jovem. Era o canto fúnebre das mulheres. A mãe tinha um canto diferente. Eu lá, da minha querida varanda escutando e vendo. Ia em direção ao rio. As vezes, ao ler Mia Couto, torna-se tão próximo essas lembranças. Eu não escrevo como Mia. Então, minhas memórias pouco servem para eu conseguir reverter em ganhos próprios.

Lembro de perguntarmos para um dos funcionários da casa. Como era na língua local (chuabo), não entendíamos e até achávamos bonitinho. Quando veio a explicação, tomou um outro sentido. A beleza tornou-se mais viva. Era a última despedida da mãe, família, amigos e vizinhos. Depois olhamos uma para outra, eu e minha amiga, e voltamos a nossa velha frase adotada durante os seis meses naquela situação: macuse, uma terra que as pessoas morrem como vivem. Ninguém percebe. Ninguém nota.

Apesar da beleza de Macuse, as vezes eu achava que lá tinha o cheiro da morte certeira. Seja de HIV, seja de cólera, seja de malária ou de qualquer outra doença. A pobreza não tinha vez. Via os gordos com os poucos carros da região. A população restava ficar em um hospital esquecido. Médico uma vez por semana. Ele não atendia.

Essa morte é certeira, bem como uma alma que não enxerga mais a vida. Somos muitos. Somos tantos que as vezes peço perdão. Perdão por não querer viver. Quantos muitos querem viver, e eu tenho a vida, o único ouro ao qual não podemos vender, preciso pedir perdão. Perdão a essa mãe que se despediu da filha. Perdão a quem agora está sofrendo em um leito hospitalar. Perdão.

Não, não que eu não queira viver. E eu não quero. Fato. Mas também não quero ir. Enquanto o medo da morte estiver em mim, tenho a certeza que haverá o fia da vida ainda tentando reanimar.

Lembro, bem baixinho, de quando eu poderia ter fugido. De uma noite que o medo de cobras, bêbados, rituais de pescadores e da escuridão, me fez entrar na minha própria escuridão. Lembro também que muitos acharam que era bobeira. Dado a tudo que vivíamos, eu deveria era ter jogado aos mãos ao céu e deixasse de se estúpida. Dizem que eu sou dramática. Passei tantos anos pensando que eu sou dramática, realmente, que eu esqueci de mim mesma. Era mais fácil concordar com os astros. Com meu ascendente, lua e afins. Eles dizem que eu sou dramática. As pessoas também. Ponto. Então eu sou. Vesti a camisa do drama nos meus quase 1 metro e 60 centímetro de altura. É mais confortável saber que é dramática. Tenham toda a certeza disso.

29 anos. Não tenho do que reclamar. Tenho uma excelente família. Uma mãe maravilhosa e um irmão batalhador. Desculpem, mas família é a melhor coisa do mundo. Tenho avós, tias, tios, primas e primos únicos. Obrigada. Tenho poucos amigos, despistando o alto número de pessoas em meu facebook, eu gosto muito mais do meu silêncio e solidão. Ele é mais interessante. Apesar de muitos analisarem a minha vida pela minha rede social. Peço desculpas, mas eu não sou um status, uma foto ou uma curtida. Eu sou Anna Beatriz, uma Bia de carne e osso que não sabe mais para onde vai, senão ficar parada em suas frustrações pessoais.

Minhas frustrações é ver a que ponto estamos chegando. Matamos e morremos. Nos humilhamos. Damos valor o que a pessoa se propõe a ser, e não o que ela efetivamente é. Para uma louca e insana busca para manutenção do seu próprio status, humilhamos o próximo, escolhemos quem nos levará para alcançar aquele objetivo, apagamos parte dos nossos erros, derespeitamos regras básicas da vida em sociedade. Desculpem, mas eu não consigo ver os políticos pior que a nossa sociedade. Eles são diretamente proporcional. E a sociedade somos todos nós. Eu e você.


Segundo o governo, o SUS é um excelente sistema. Decidi, para a tristeza da minha mãe, que não queria um plano de saúde. Sempre tive plano pelos meus empregos ou pelo trabalho da minha mãe. Nunca sofri em hospitais ou pelo débil sistema público. Agora eu sofro. Mas percebo que ele é excelente. Quem o comanda que não é. Preferem comprar um carro para levar os diretores para sua residencia do que uma máquina nova de raio-x. Preferem desviar papel higiênico e dizer, como sempre, que é assim por ser público. Mentira. Mas reflete a nossa sociedade. Uma sociedade que tem repúdio a tudo que é público, mas não faz nada para alterar.

Talvez o meu problema não seja ser louca. Seja ser sã demais.

Parabéns. Em 28 horas comemoro mais um ano.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sinto cheiro de mudanças


            
           Bem de longe, sinto cheiro de mudanças. Sinto aquele cheiro, sabe? Aquele que antecede a chuva, aquele cheiro vindo bem mansinho de terra molhada. Aquele cheiro que nos lembra da infância no sítio, ou na cidade mesmo.  Aquele cheiro que, como uma forma indubitável que a natureza exerce grande influência sobre nós, nos acalma. Mas o cheiro, esse cheiro é diferente e vem à milhas de distância. Esse cheiro é de mudança.

Venho acompanhado fóruns de comentários de notícias moçambicanas. Venho lendo notícias também. Ainda percebo que os meios de comunicação sofrem influência direta do governo. Como eu já disse em post anteriores por aqui, não existe liberdade de expressão. Tudo que é reivindicado ou contestado sobre o governo, é contra a democracia, é contra a independência e é contra Moçambique. Apelido carinhosamente de “totalitarismo democrático”[1].  

                Mas, independente disso tudo, percebo que o povo começa a se expor mais.  E, a intolerância contra as suas opiniões, pelo menos nas redes sociais, começam a diminuir. Enquanto o ocidente se preocupa em expandir a tal “democracia” pelo oriente médio, a base de bombas e discurso, os moçambicanos procuram entender como a democracia pode ser efetiva. 

                Lembro de uma excelente conversa com um ex-aluno. Desculpem, mas eu não lembro o nome dele, mas lembro do seu rosto e felicidade por tê-lo ajudado com o seu TCC e com a formatação do seu trabalho. Lembro dos seus olhos brilhar e chorar quando viu o resultado. Mas ele merecia, em Macuse, talvez tenha sido o melhor debate que tive com alunos daquele vilarejo distante da realidade dos grandes centros. Ele tinha uma pesquisa em andamento. Durante o conselho dos professores, ele uma vez iniciou um debate sobre supressão de liberdade de expressão, pobreza e governo.  E nós dois conversando, chegamos a um denominador comum, o jovem que nasce em Moçambique, não tem permeado em si, o medo de uma nova atrocidade de Guerra Civil, pois ele não viveu isso como seus avós, seus pais. E esses jovens, podem não tolerar a intolerância do governo e a pobreza inserida. Esses jovens irão às ruas protestar, brigar por seus direitos básicos, e se o governo não se flexibilizar quanto a expressão dos jovens, quanto toda a corrupção que deixa o país com milhares em miséria absoluta, esse governo será insustentável, e talvez uma nova guerra civil pode vir a surgir. Isso tudo se dá, pois pelas vias políticas, os dois maiores partidos buscam deter todo o poder, mesmo perdendo em todas as eleições, a Renamo não quer perder o status quo de ser o segundo partido, bem como a Frelimo não quer perder toda a governabilidade. E ambos foram os protagonistas da guera civil findada em 1992[2]. Bem, se eles se aliam para minar novos partidos e novas políticas, torna-se insustentável o modelo.[3]  E para ajudar tudo isso, o ocidente que ai se inclui fortemente o Brasil, apoia essa insustentabilidade futura.

                Qualquer pessoa que viveu na área rural sabe que a rádio, talvez o único meio de comunicação de massa eficaz em Moçambique, dado toda a pobreza, é panfletário. Pelo medo, eles falam que a Renamo irá atacar algum vilarejo e que a Frelimo está ali para cuidar deles. Isso lembra muito o grande Big Brother. Orwell que é mal interpretado por boa parte das pessoas, como um autor anticomunismo.  A obra dele, 1984 não especifica tipo de governo, mas basicamente o que acontece tanto na tal democracia e nos regimes totalitários. Essas brechas que o vil poder pode levar o Estado a caminhos sinuosos. Mas, como identificar que tudo que eu escrevi é verdade se eu não tenho material? A rádio é em língua local. Essa rádio ao qual eu especifico, é em língua local e até que ponto eu não sei se é a mesma das grandes cidades ou só dos vilarejos. Que democracia é essa?

                Mas, o ponto chave ao qual me fez postar sobre isso foi ler sobre o assunto e ver tamanha desordem que se encontra Moçambique atualmente. E essas pessoas contestam até as reportagens. A ponte que tem o nome do atual presidente em exercício em Moçambique (bem, prefiro não escrever sobre o assunto) é a ponte que findou a divisão do país entre sul e norte, já que ele passa por cima do rio Zambeze. Até inicio de 2009, quem quisesse atravessar o país do sul ao norte, tinha que fazer a travessia do rio em ferry bolt de péssima qualidade. Barcas que todo o ano tinha uma indo a pique. A ponte tem uma representatividade identitária única, une o país de norte e sul. Pois bem que ontem li uma notícia que ela estava fechada.[4] Na notícia difusa, dizia que estava fechada por problemas em partes da estrutura. O povo comentou sobre a qualidade das obras e afins. Até que o próprio jornal se expos nos comentários dizendo que a ponte não tinha sofrido avarias, somente estava fechada (então, hein?). E o próprio povo voltou a comentar até sobre o jornal que se contradizia. Enfim, acho que eu não preciso comentar mais sobre o “totalitarismo democrático”, mas acho que o tom que eu quero deixar é a sociedade se revoltando.

Presidenta brasileira Dilma, ao lado dos presidentes da África do Sul e de Moçambique


                E essa revolta se estende. Não vai somente ao governo mais. Mas as parcerias que o governo está fazendo. A abertura do país para iniciativa privada dos governos. China, Portugal e Brasil são os mais comentados nos fóruns. Sobre a ponte, muitos gritaram que a culpa era das obras chinesas e sua má qualidade. Outros falaram que era portuguesa. A Vale já foi alvo também. Uma moçambicana escreveu na parte opinião de um jornal, sobre como os portugueses estão desembarcando em Moçambique, julgando a cultura deles e ela grita sobre um aspecto interessante, que Moçambique não pode ser tripé de países desenvolvidos lucrarem, quando nos seus próprios a crise impede. Que Moçambique não tem estrutura suficiente para os novos imigrantes com seu alto nível de educação, comparado com os moçambicanos.[5]

                O povo moçambicano é muito receptivo. Mas eles começam a entender que nem toda a ajuda é com a intenção de ajudar puramente um pobre país. Que essas ajudas estão embebidas de interesses escusos e que o povo com isso, sofre. A infraestrutura chega, mas chega ainda em passos devagar e com interesses exclusivamente empresariais. O máximo são empresas que faz alguma estrutura básica de sobrevivência para o local ao qual está instalada (oras, um trabalhador com água encanada e estradas minimamente pavimentada, é a certeza de chegar no horário de trabalho, ou seja, é um investimento para a própria empresa).

                A democracia plena é talvez a maior utopia que podemos ousar em viver. Talvez maior até que o próprio comunismo em si. Não acredito em democracia, pois ela é excludente. Se exclui não é mais do povo, e sim de um grupo, e se é de um grupo, não representa uma identidade de nação, mas sim interesses próprios. Mas eu, nessa minha eloquente forma de ver a vida, ainda acredito no povo. Sim, nesse povo que um dia irá pedir mudanças. Irá se levantar contra Renans, corrupções, discursos vazios, política do medo...

                Peço sinceras desculpas pela minha escrita apaixonada. Bem como os erros. Ainda mais pela falta de empirismo incisivo. Agradeço uma conversa com uma pessoa ao qual eu nunca vi na vida, mas em uma hora, surgiu um pequeno debate e como consequência esse post. Nessas horas que agradeço e muito o quão bom é a cada dia sermos receptivos a novas informações. As novas perspectivas. A troca de conhecimento. Ou simplesmente a troca de ausência de perspectivas no curto prazo visando o longo...

Para esse post, acompanhei o fórum do Macua, A Verdade, Moz Maníacos, O País, dentre alguns colegas que postam sobre coisas relevantes ao tema em questão, bem como demais meios de comunicação.


[1] Já escreveram sobre o totalitarismo democrático, podem ler em http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/30/27
[2] Para maiores informações sobre a história de Moçambique, pode iniciar por esse texto: http://www.pluraleditores.co.mz/PLE04.asp?area=1
[5] Sobre a opinião de uma leitora, pode ler no link: http://www.verdade.co.mz/vozes/37-hora-da-verdade/34073-carta-aberta-aos-portugueses-que-querem-vir-ou-ja-vieram-para-mocambique

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Devo ir ou não? A pergunta do milhão!






Depois de mais de dois anos fora do projeto de voluntariado, invariavelmente ainda sou perguntada sobre diferentes coisas. Seja de como é viver nos EUA, se eu tive doenças em Moçambique ou simplesmente quanto custa todo o projeto. São das perguntas mais simples as mais complexas. Às vezes tenho medo de responder as complexas. Ir para um projeto de voluntariado é uma escolha única. Não posso dizer que será maravilhoso, pois estaria mentindo. Não posso dizer que não há riscos, pois estaria jogando poeira para debaixo do tapete, nem tão pouco posso dizer se eu faria de novo, pois sinceramente, tem coisas que nem nós mesmos podemos responder.
Mas posso dizer uma coisa: tudo que eu vi e vivi foi único. Ri, dancei, aprendi, conversei, respirei, chorei, esperneei, quis me matar, quis matar algumas pessoas, passei fome, frio e sede de água potável. Andei por 6 horas na escada do ônibus dividindo com mais umas quatro pessoas. Enfim. Como posso dizer que foi tudo maravilhoso, e como também eu posso dizer que tudo foi ruim?

Mas, como não lembrar das sextas que saíamos atrás do mé do dia? Naquelas ruas de areia de praia, era a poesia da semana: preparávamos cuidadosamente a bicicleta. Botávamos as 20 garrafas de Manicas que depois se tornaram 2M e por fim a danada da Laurentina (uma heineken para a região) dentro de uma mala. Amarrávamos cuidadosamente para não cair. Quando as bicicletas estavam boas, íamos em dupla para lá. Quando uma estava quebrada, íamos guiando a bicicleta. O caminho era único e vocês podem apreciar abaixo. Era o momento de felicidade. A folga merecida de sábado e domingo. Ver o pôr do sol era o momento êxtase daquelas sextas.

Como não amar um caminho como esse?

- Magumi.
- Vou bem, e você?
- Muzunga, estou a pedir 1 metical.[1]
(eu) - E eu estou a pedir 2 meticais.

Algumas crianças fugiam de nós. Éramos as brancas monstras que as crianças temiam. Os mais velhos empurravam os mais novos para cima de nós. Na lógica, até entendo, põe o mais fraco na frente e se o monstro atacar, o mais velho terá tempo de fugir. J

As mamás invariavelmente conversavam com a gente no caminho. Cumprimentavam. Já os homens achavam que todas as brancas seriam suas escravas sexuais. Bem, não é tão forte assim. Mas achavam que com um papinho torto iríamos ceder aos apelos sexuais deles. Não importava se eram casados ou não. Acho que fazer sexo com muzungo deveria ser o mesmo que fazer sexo com a Gisele Bundchen. Não haveria mulher que seria contra. (os devaneios mentais dos homens comuns...). E essa era nossa sexta atrás da nossa querida cerva gelada para acalmar os ânimos de um lugar que era mais fácil comprar cerveja que um pé de alface.
O nosso best. O tio da venda das cervejas, da margarina Amanda no saquinho, de algo parecido com sardinha, do macarrão, do extrato de tomate, do biscoito que era quase pedra... aaaaahhhh, deixa o mercado pão de açúcar no chinelo.
Confesso que utilizei o recurso das cervejas para contar meus dias naquele país. Sim, eu sou humana. Sim eu queria de volta a vida na sociedade. Sim eu queria poder cozinhar a comida que eu desejasse, queria assistir TV, queria não ser uma pessoa famosa. Ou seja, queria minha privacidade de volta. Era bem assim. Tudo que fazíamos rodava a cidade. Acho que não existe nada mais rápido que o boca-a-boca. Mas também pudera, de toda a população só haviam 4 brancos (2 brasileiras, 1 dinamarquês e uma americana). Éramos os diferentes. Então, eu nem ligava muito para as histórias. Só me importava de fazer as coisas certas. Não queria deixar uma imagem ruim para eles. Como eu acho que lá um dos maiores problemas é o alcoolismo, não bebia na cidade em que eu morava nas ruas. Não aceitava nada. Ia, comprava o mé e ia ser feliz em casa. Música quase alta, uma linda varanda pra aproveitar. Aaaaaaaaaahhhh a vida como era boa naquele lugar!

Um excelente dia. Camarão e peixe com cerva! :)  Quase terminando nossos dias ai. 


Mas então. Continuam me perguntando. E o que eu posso dizer, é que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Não posso medir as coisas boas comparando com as coisas ruins. Não. Eu não acho que a ONG em que eu trabalhei era uma ONG correta. Sim, eu sou sincera, pois não devo nada a ninguém. Mas o que eu sempre friso é que o problema não é a ONG. São as pessoas. Sim, da mesma forma que vemos corrupção em todos os locais, as pessoas também se corrompem por meio de ONGs. Normal¿ Não. Aceitável¿ Muito menos. Mas eu pergunto: imagina se parássemos de viver e fazer as nossas coisas cada vez que nos deparássemos com corrupção, má fé, inveja e seja lá o que for. Isso para mim é desculpas barata. É mais fácil apontar a ONG como problema do que efetivamente demonstrar que não consegue viver nos termos que eles querem. Pessoas não são fáceis de conviver. Muito menos estrangeiros. Outras culturas são difíceis de ser entendidas. Da mesma forma que muitos reclamam que não respeitamos horários, eu reclamo que eles querem mandar em nós como se fossemos seus meros escravos latinos estúpidos. Era esse meu sentimento para resumir tudo. Mas sinceramente, eu ria de tudo. Chorava às vezes. Cantava para espantar os males. E seguia em frente. Fiz o que eu pude. Acho que muito menos do que eu deveria ter feito. Mas fiz.

Antes de desistir, podem vir conversar comigo. Antes de ir, também. Confesso que eu sei quem deve ou não ir para lá. Se for pra viajar e ver a vida passar, tenham certeza que serei mal educada. Não utilizem ONGs pra fazer passeios turísticos. É mais barato e menos penoso ir diretamente para o país. E até para isso eu posso ajudar.

E neste momento, 1:50 da madrugada de quarta para sexta, saibam que eu agradeço a cada um voluntário brasileiro ao redor do mundo. Vocês estão aprendendo e ajudando em algo. Seja somente com um simples sorriso para uma mãe desesperada, o trabalho pode ser esse. Obrigada de todo o coração. Animo com cada um que quer fazer algo bom para o próximo. Até mesmo na própria rua.
Queridos, obrigada por tudo. Posso resumir que a minha experiência foi mais de aprendizado que tudo. E deixo um trecho de Mia Couto no livro Terra sonâmbula.
“(...)afinal, em meio da vida sempre se faz a inexistente conta: temos mais ontens ou mais amanhãs? o que eu desejava era que o tempo se adiasse, parado como o barco naufragado.”



[1] Metical é a moeda corrente em Moçambique

domingo, 20 de janeiro de 2013

Música. O ar necessário.


Estou aqui, tentando concentrar para de vez conseguir escrever a espinha dorsal da monografia quando ao fundo inicia música sertaneja. E de tantos passos que eu dei, de ir para três continentes diferentes, sempre me deparei o quanto a música brasileira transpõe fronteiras que vão além da bossa nova, com “hits” tocados nas Starbucks e elevadores.

De uma forma diferente, o sertanejo invade momentos únicos. Na Europa via jovens bêbados cantando com um certo quê do breguismo nosso de cada dia. Aquele que sempre tem uma história de amor mal resolvida. De um amor ainda não curado ou de um amor novo encontrado. E isso foi em todos os países que estive. Ou seja, o sertanejo invadiu a Europa, bem como a América do Sul. Mas nada, nada se compara com o sertanejo tocado em Moçambique.

Eu era a menina de sorriso fácil nas ruelas de terra não batida. Meu sorriso e minha caneca de café, que os moradores fizeram a mamá[1] me perguntar o que eu bebia em minha caneca (deviam achar que era algo alcoólico, dado que sorrir sem motivos não é algo normal) eram coisas estranhas. E com esse sorriso, fui levando os dias. Até o dia que no caminho da sala dos professores, duas ruas depois da casa em que vivi, escutei um “pensa em mim, chore por mim, liga para mim, não não liga para eleeeee”. Apressei o passo.
Devia ser sete da manhã e os alunos estavam terminando o matinal deles. Uma menina cantava enquanto caminhavam e eu, como não poderia deixar de ser diferente, ao chegar próximo, juntei ao coro com ela. Leandra e Leonarda. Bem assim. Aqueles momentos em que não devemos nada. A vergonha e os entraves e os contratos sociais[2] que nos impedem de fazer isso, lá eu estava despida. E juntamos e cantamos. Como sempre, os alunos ficaram rindo da minha cara. Nada de anormal.

A música sertaneja, bem como Roberto Carlos é o que eles mais gostam de músicas estrangeiras nas áreas rurais. E eles escutam tudo. KLB era o hit do momento (sim, Macuse era um retorno ao passado). Na época o que tocava de sertanejo era Victor e Léo aqui no Brasil. Por lá ainda não tinha chegado o cheiro do sertanejo atual. E isso era sinônimo de viver nos pensamentos do passado. Nas músicas que embalaram invariavelmente minha infância e minha adolescência. Meu mp3 não era lá muito curtido pela minha amiga de projeto (confesso que eu a traumatizei, era só axé. Tisc tisc tisc... vivia meu momento pós micareteira).  Então o que ficou de melhor foi de música brasileira, a música sertaneja tocada no “clube”[3] bem em frente de casa.

Como antigamente no nordeste achavam que quem morasse no RJ, via todo dia os atores e atrizes globais, por lá era comum sermos perguntados se conhecíamos algum cantor. Fora as perguntas se eu era amiga do Ronaldinho. Coisas engraçadas. Coisas do cotidiano. Mas nada era mais incomum ver jovens escutando e amando as músicas do Roberto Carlos. E eles me perguntavam se eu gostava, era uma árdua tarefa tentar explicar que no Brasil RC era algo para gente acima dos 50 anos. E chega a ser irônico o RC agora retornar com uma música chiclete nas rádios brasileiras.

Mas, para uma muzunga[4] nada era mais cativante que a música local. A dança local deles. O quanto eles mexem o quadril de forma única. Tentei aprender. Minha amiga tinha muita vergonha de mim. Imagina uma pessoa acima do peso tentando dançar como eles? Pena que meu HD queimou. Tinha um vídeo meu dançando. Foi quando eu percebi o quão engraçada eram as minhas tentativas frustradas de ser dançarina. Mas nada disso impede da minha vontade de tentar dançar como eles. Ainda tento.

Bem, acho que essa semana vou deixar um vídeo da música que eu gostava por lá. Para mim essa música foi bastante importante. Principalmente nas áreas rurais, onde ainda as mulheres se sentem na obrigação de se casar cedo, ter filhos cedo e renegar a elas uma vida livre e com escolhas. Se casar é male[5].  A frase mais repetida na música. De uma forma trôpega, denuncia que o velho formato de casamento já não é mais aceito. Da mulher em casa, cuidando dos filhos enquanto os homens saem a beber já não é algo aceito pelas mulheres. A mulher se igualando e fazendo o mesmo. Não acho que igualar as coisas ruins dos homens seja melhor, porém no plano maior, são mulheres que irão começar a contestar seus maridos, falando que vão fazer igual à mulher da música. E, meus nobres, eu antes era distante do movimento feminista. Hoje eu carrego essa bandeira pacífica. A forma de tratamento dado a mulheres naquele país beira ao incomum. Estupros, violência familiar, doenças trazida pelos maridos, fome. E a lei mesmo que forte, a própria policia, políticos e ricos a ignoram. É uma das coisas que vemos na África. Fazem o que os ocidentais pedem em cartilha. Mas é ignorado em todas as instâncias do país. Ou vocês acham que o engravatado do Banco Mundial vai passar alguns meses na realidade de um moçambicano para ver se a lei realmente é além de um punhado de letras em um papel?

Mas, curtam o som do Valdemiro José na música Tá se mal.






[1]  Mamá= Mãe. Em Moçambique todas as mães são chamadas assim. Um carinho que os homens e os mais novos tem com as mães do país.
[2] Ainda explico o que eu chamo de contrato social. Podem ter certeza que não é nada filosófico. J
[3] Em algum post futuro eu falo como era esse tal clube. Bem, só para ter um pouco de noção, acho que o clube do filme For All - O Trampolim da Vitória vinha na minha memória sempre que entrava lá.

[4] Muzungo são todos os brancos. Mas muita das vezes eles chamam estrangeiros também de muzungos. Por isso não é pq a pessoa é negra que será igual a eles. A palavra muzungo para mim é algo forte e breve posto o porquê.
[5] Male quer dizer mal. Forma deles de falar o português.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Depois de dois anos silenciosos...





       Olá a todos!

                     Bem, agradeço imensamente a todos que apareceram por aqui mesmo depois de mais de dois anos de silêncio. De mãos caladas e amarradas. Posso comentar muitos motivos para isso, mas o principal é que Moçambique é uma experiência única. Ela é tão intensa que as vezes não conseguimos sair do mundo ao qual entramos e retornar a realidade ao qual convivemos diariamente.

                   Soube que ao escrever a palavra-chave "macuse", meus textos são os primeiros na busca do google. Não fico feliz por isso, fico triste, pois ainda não há inclusão nem social, nem inclusão digital e seja lá qualquer inclusão que você pense ainda na bela Macuse. Mas muito além disso, ainda há um silêncio daqueles que realmente constroem o país. Aqueles que as Ongs não estão preocupadas, a ONU finge que atingiu em algum dos seus números ou o Banco Mundial maquia em algum resultado. As 81% da população que vivem da agricultura, onde compõe somente 32% do PIB. Ou seja, para resumir esse economês chulo básico: Quase toda a população vive da agricultura mas isso significa que é somente 1/3 da riqueza gerada pelo país. O bolo é dividido em 3 e uma parte dele vai para 81% das pessoas! Uau!

                Bem, essas pessoas boa parte é inalcançável. Nunca viu um branco na vida. Sim, nunca viu um branco! E eu não sou branca. Eles não tem televisão para saber que existe uma cor além daquela que estão próximas a eles. Eu lembro uma vez uma senhora me tocando e incrédula, olhava para mim. Eu era um monstro? Eu era o quê para ela? Eu era uma pessoa? Ela não sabia identificar o que eu era. Para uma pessoa que tinha passado quase um ano nos EUA, que era mexicana, indiana e no final brasileira, era algo surreal. Gente, desculpas. Os dois anos de silêncio foram dois anos analisando tudo que eu vivi. Costumo dizer que é um outro mundo. Não melhor e nem pior ao nosso. Um outro mundo somente. É uma esperança que é possível mudar as coisas, mas também uma desesperança na humanidade. De ver negros batendo em seus empregados também negros! Sim, eu vi isso e calada de medo, nunca pude me levantar contra. Como disse uma colega: "seu melhor amigo nesse país é sua passagem de volta para os EUA". No momento eu não entendi, mas ao longo dos seis meses que pareceram 10 anos, entendi direitinho o recado.
   
              Silêncio. Esse silêncio ao qual não existe no mundo em que vivemos. Um silêncio que grita tanto dentro de nós que nos cala indefinidamente. Que nos deixam marcas, lembranças... memórias que não se apagam. E não há nenhuma vontade que seja apagada. Afinal, como no nosso mundo, nem tudo é tão ruim que não haja aprendizado e nem tudo é tão bom que não possa ser resgatado em outros momentos. E entender isso foram duros passos de dois anos e alguns meses.

              Mas o silêncio não faz bem. Afinal, que belo país eu vivi. Pessoas felizes pelas ruas mesmo vivendo com menos de U$ 1,00 por dia! E por aqui eu vejo pessoas tristes se matando para entrar em uma barcas e ganham o mesmo que 30 famílias. São pessoas que ganham R$ 2,000,00 na bela Rio de Janeiro. Sim, com esse mesmo dois mil reais em Macuse 30 famílias dividem e até mais!


            Bem, retomando o blog, tentarei escrever mais. Falar sobre dicas de viagem, ong, política e um pouco do que estou trabalhando atualmente: saúde em um viés político. Agradeço a todos que em algum momento enviou email ou mensagens para mim agradecendo o blog e as postagens. Em um momento cheguei a receber ligações até da Inglaterra! Boa parte são pessoas que nunca vi na vida! Isso é único. Não vou escrever muito pois as pessoas reclamam que sou prolixa demais. Melhor escrever textos curtos.

 Até!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Os governantes que temos tido têm medo de quem pensa!"

Venho lendo e muito sobre a crise de alimentos em Moçambique. Venho lendo também o grito de quem pede mudanças. Uma série de erros por parte da Frelimo faz com que Moçambique grite. Mas não o suficiente.

Falando por mim, eu não vejo uma mudança nos rumos políticos nas próximas eleições. Não que o povo seja burro, como no Brasil ousamos em dizer quando discutimos políticas. O povo sabe muito bem que acontece, mas você já viu alguém votar no seu algoz? Se há a sensação nas ruas que o partido Renamo, concorrente direto da Frelimo tenha matado muito mais moçambicanos durante a guerra civil. Você votaria em quem matou sua família e amigos?

Por outro lado, também não sinto nenhuma vontade da Renamo em fazer política séria.

Estou sendo pessimista, não? Sim, eu sei que estou sendo, mas não adianta sorrir quando tudo tá errado! Li uma matéria que Moçambique pede mais ajuda aos países subdesenvolvidos. Li em outra matéria que o subsidio do pão dado pelo governo não chega as pessoas que necessitam. Para quê mais dinheiro se eles não sabem como gastar?

Minha tristeza foi saber que a crise de alimentos em Moçambique está escrita há muito tempo. Está escrita porquê não há nada que os governos querem fazer para terminar? Porque parar de ser o pobre coitado se dá lucro?

O problema da pobreza é que o ciclo vicioso dela periga justamente na ajuda. Estender a mão e pedir é mais fácil que plantar na terra...