segunda-feira, 10 de junho de 2013

Vida e morte. Morte e vida. Parabéns. Ou não.

Penso nos meus 29 anos. O último antes da temida casa dos 30. Não que eu tenha medo de envelhecer. Não. Definitivamente não. Só tenho medo de morrer aos poucos. Assim como os severinos.

"E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza."




Atualmente venho pensado e muito na morte. Sabe? A morte aos poucos da alma. Aquela de tristeza um pouco por dia. Aquela que nos consome e nos avassala. Que retira nossa fé, nossas forças e nossas inspirações. Aquela morte, que indubitavelmente, procuramos esconder de todos, e aos poucos percebemos que ela se torna tão viva, que já não consegue compartilhar. Só respirá-la. Transpirá-la. Vivê-la. Esquecer a si mesma. Encontrar uma nova alma. Reviver.

Não. As vezes não sei se quero viver. Não que eu queira morrer. Muito menos virar hippie. Mas, a vida é tão dura e ainda endurecemos mais ela. Gosto das pessoas que adoram falar de paz, mas não percebe que a paz começa no dia-a-dia. Na gentileza ao caminhar. O não empurrar numa barca lotada. De não querer furar a sinaleira para chegar antes. Do cuidado com o próximo. Da aceitação das diferenças. Do olhar cuidadoso para os significantes do respirar.

Ocorre nos últimos anos, em meus pensamentos, o meu avô que disse para minha mãe tentar remover a minha ideia de ir para África. Naquela época, eu não sabia que ia para Moçambique. Mas ele sabia muito bem que não era para mim. Eu vivo de memórias. E elas são os monstros atrás do armário. Meu avô se foi. Antes de eu partir. Só depois que minha mãe me disse as palavras dele.

Nessas memórias vivas, não consigo esquecer o ritual de passagem de uma jovem. Era o canto fúnebre das mulheres. A mãe tinha um canto diferente. Eu lá, da minha querida varanda escutando e vendo. Ia em direção ao rio. As vezes, ao ler Mia Couto, torna-se tão próximo essas lembranças. Eu não escrevo como Mia. Então, minhas memórias pouco servem para eu conseguir reverter em ganhos próprios.

Lembro de perguntarmos para um dos funcionários da casa. Como era na língua local (chuabo), não entendíamos e até achávamos bonitinho. Quando veio a explicação, tomou um outro sentido. A beleza tornou-se mais viva. Era a última despedida da mãe, família, amigos e vizinhos. Depois olhamos uma para outra, eu e minha amiga, e voltamos a nossa velha frase adotada durante os seis meses naquela situação: macuse, uma terra que as pessoas morrem como vivem. Ninguém percebe. Ninguém nota.

Apesar da beleza de Macuse, as vezes eu achava que lá tinha o cheiro da morte certeira. Seja de HIV, seja de cólera, seja de malária ou de qualquer outra doença. A pobreza não tinha vez. Via os gordos com os poucos carros da região. A população restava ficar em um hospital esquecido. Médico uma vez por semana. Ele não atendia.

Essa morte é certeira, bem como uma alma que não enxerga mais a vida. Somos muitos. Somos tantos que as vezes peço perdão. Perdão por não querer viver. Quantos muitos querem viver, e eu tenho a vida, o único ouro ao qual não podemos vender, preciso pedir perdão. Perdão a essa mãe que se despediu da filha. Perdão a quem agora está sofrendo em um leito hospitalar. Perdão.

Não, não que eu não queira viver. E eu não quero. Fato. Mas também não quero ir. Enquanto o medo da morte estiver em mim, tenho a certeza que haverá o fia da vida ainda tentando reanimar.

Lembro, bem baixinho, de quando eu poderia ter fugido. De uma noite que o medo de cobras, bêbados, rituais de pescadores e da escuridão, me fez entrar na minha própria escuridão. Lembro também que muitos acharam que era bobeira. Dado a tudo que vivíamos, eu deveria era ter jogado aos mãos ao céu e deixasse de se estúpida. Dizem que eu sou dramática. Passei tantos anos pensando que eu sou dramática, realmente, que eu esqueci de mim mesma. Era mais fácil concordar com os astros. Com meu ascendente, lua e afins. Eles dizem que eu sou dramática. As pessoas também. Ponto. Então eu sou. Vesti a camisa do drama nos meus quase 1 metro e 60 centímetro de altura. É mais confortável saber que é dramática. Tenham toda a certeza disso.

29 anos. Não tenho do que reclamar. Tenho uma excelente família. Uma mãe maravilhosa e um irmão batalhador. Desculpem, mas família é a melhor coisa do mundo. Tenho avós, tias, tios, primas e primos únicos. Obrigada. Tenho poucos amigos, despistando o alto número de pessoas em meu facebook, eu gosto muito mais do meu silêncio e solidão. Ele é mais interessante. Apesar de muitos analisarem a minha vida pela minha rede social. Peço desculpas, mas eu não sou um status, uma foto ou uma curtida. Eu sou Anna Beatriz, uma Bia de carne e osso que não sabe mais para onde vai, senão ficar parada em suas frustrações pessoais.

Minhas frustrações é ver a que ponto estamos chegando. Matamos e morremos. Nos humilhamos. Damos valor o que a pessoa se propõe a ser, e não o que ela efetivamente é. Para uma louca e insana busca para manutenção do seu próprio status, humilhamos o próximo, escolhemos quem nos levará para alcançar aquele objetivo, apagamos parte dos nossos erros, derespeitamos regras básicas da vida em sociedade. Desculpem, mas eu não consigo ver os políticos pior que a nossa sociedade. Eles são diretamente proporcional. E a sociedade somos todos nós. Eu e você.


Segundo o governo, o SUS é um excelente sistema. Decidi, para a tristeza da minha mãe, que não queria um plano de saúde. Sempre tive plano pelos meus empregos ou pelo trabalho da minha mãe. Nunca sofri em hospitais ou pelo débil sistema público. Agora eu sofro. Mas percebo que ele é excelente. Quem o comanda que não é. Preferem comprar um carro para levar os diretores para sua residencia do que uma máquina nova de raio-x. Preferem desviar papel higiênico e dizer, como sempre, que é assim por ser público. Mentira. Mas reflete a nossa sociedade. Uma sociedade que tem repúdio a tudo que é público, mas não faz nada para alterar.

Talvez o meu problema não seja ser louca. Seja ser sã demais.

Parabéns. Em 28 horas comemoro mais um ano.

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