quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sinto cheiro de mudanças


            
           Bem de longe, sinto cheiro de mudanças. Sinto aquele cheiro, sabe? Aquele que antecede a chuva, aquele cheiro vindo bem mansinho de terra molhada. Aquele cheiro que nos lembra da infância no sítio, ou na cidade mesmo.  Aquele cheiro que, como uma forma indubitável que a natureza exerce grande influência sobre nós, nos acalma. Mas o cheiro, esse cheiro é diferente e vem à milhas de distância. Esse cheiro é de mudança.

Venho acompanhado fóruns de comentários de notícias moçambicanas. Venho lendo notícias também. Ainda percebo que os meios de comunicação sofrem influência direta do governo. Como eu já disse em post anteriores por aqui, não existe liberdade de expressão. Tudo que é reivindicado ou contestado sobre o governo, é contra a democracia, é contra a independência e é contra Moçambique. Apelido carinhosamente de “totalitarismo democrático”[1].  

                Mas, independente disso tudo, percebo que o povo começa a se expor mais.  E, a intolerância contra as suas opiniões, pelo menos nas redes sociais, começam a diminuir. Enquanto o ocidente se preocupa em expandir a tal “democracia” pelo oriente médio, a base de bombas e discurso, os moçambicanos procuram entender como a democracia pode ser efetiva. 

                Lembro de uma excelente conversa com um ex-aluno. Desculpem, mas eu não lembro o nome dele, mas lembro do seu rosto e felicidade por tê-lo ajudado com o seu TCC e com a formatação do seu trabalho. Lembro dos seus olhos brilhar e chorar quando viu o resultado. Mas ele merecia, em Macuse, talvez tenha sido o melhor debate que tive com alunos daquele vilarejo distante da realidade dos grandes centros. Ele tinha uma pesquisa em andamento. Durante o conselho dos professores, ele uma vez iniciou um debate sobre supressão de liberdade de expressão, pobreza e governo.  E nós dois conversando, chegamos a um denominador comum, o jovem que nasce em Moçambique, não tem permeado em si, o medo de uma nova atrocidade de Guerra Civil, pois ele não viveu isso como seus avós, seus pais. E esses jovens, podem não tolerar a intolerância do governo e a pobreza inserida. Esses jovens irão às ruas protestar, brigar por seus direitos básicos, e se o governo não se flexibilizar quanto a expressão dos jovens, quanto toda a corrupção que deixa o país com milhares em miséria absoluta, esse governo será insustentável, e talvez uma nova guerra civil pode vir a surgir. Isso tudo se dá, pois pelas vias políticas, os dois maiores partidos buscam deter todo o poder, mesmo perdendo em todas as eleições, a Renamo não quer perder o status quo de ser o segundo partido, bem como a Frelimo não quer perder toda a governabilidade. E ambos foram os protagonistas da guera civil findada em 1992[2]. Bem, se eles se aliam para minar novos partidos e novas políticas, torna-se insustentável o modelo.[3]  E para ajudar tudo isso, o ocidente que ai se inclui fortemente o Brasil, apoia essa insustentabilidade futura.

                Qualquer pessoa que viveu na área rural sabe que a rádio, talvez o único meio de comunicação de massa eficaz em Moçambique, dado toda a pobreza, é panfletário. Pelo medo, eles falam que a Renamo irá atacar algum vilarejo e que a Frelimo está ali para cuidar deles. Isso lembra muito o grande Big Brother. Orwell que é mal interpretado por boa parte das pessoas, como um autor anticomunismo.  A obra dele, 1984 não especifica tipo de governo, mas basicamente o que acontece tanto na tal democracia e nos regimes totalitários. Essas brechas que o vil poder pode levar o Estado a caminhos sinuosos. Mas, como identificar que tudo que eu escrevi é verdade se eu não tenho material? A rádio é em língua local. Essa rádio ao qual eu especifico, é em língua local e até que ponto eu não sei se é a mesma das grandes cidades ou só dos vilarejos. Que democracia é essa?

                Mas, o ponto chave ao qual me fez postar sobre isso foi ler sobre o assunto e ver tamanha desordem que se encontra Moçambique atualmente. E essas pessoas contestam até as reportagens. A ponte que tem o nome do atual presidente em exercício em Moçambique (bem, prefiro não escrever sobre o assunto) é a ponte que findou a divisão do país entre sul e norte, já que ele passa por cima do rio Zambeze. Até inicio de 2009, quem quisesse atravessar o país do sul ao norte, tinha que fazer a travessia do rio em ferry bolt de péssima qualidade. Barcas que todo o ano tinha uma indo a pique. A ponte tem uma representatividade identitária única, une o país de norte e sul. Pois bem que ontem li uma notícia que ela estava fechada.[4] Na notícia difusa, dizia que estava fechada por problemas em partes da estrutura. O povo comentou sobre a qualidade das obras e afins. Até que o próprio jornal se expos nos comentários dizendo que a ponte não tinha sofrido avarias, somente estava fechada (então, hein?). E o próprio povo voltou a comentar até sobre o jornal que se contradizia. Enfim, acho que eu não preciso comentar mais sobre o “totalitarismo democrático”, mas acho que o tom que eu quero deixar é a sociedade se revoltando.

Presidenta brasileira Dilma, ao lado dos presidentes da África do Sul e de Moçambique


                E essa revolta se estende. Não vai somente ao governo mais. Mas as parcerias que o governo está fazendo. A abertura do país para iniciativa privada dos governos. China, Portugal e Brasil são os mais comentados nos fóruns. Sobre a ponte, muitos gritaram que a culpa era das obras chinesas e sua má qualidade. Outros falaram que era portuguesa. A Vale já foi alvo também. Uma moçambicana escreveu na parte opinião de um jornal, sobre como os portugueses estão desembarcando em Moçambique, julgando a cultura deles e ela grita sobre um aspecto interessante, que Moçambique não pode ser tripé de países desenvolvidos lucrarem, quando nos seus próprios a crise impede. Que Moçambique não tem estrutura suficiente para os novos imigrantes com seu alto nível de educação, comparado com os moçambicanos.[5]

                O povo moçambicano é muito receptivo. Mas eles começam a entender que nem toda a ajuda é com a intenção de ajudar puramente um pobre país. Que essas ajudas estão embebidas de interesses escusos e que o povo com isso, sofre. A infraestrutura chega, mas chega ainda em passos devagar e com interesses exclusivamente empresariais. O máximo são empresas que faz alguma estrutura básica de sobrevivência para o local ao qual está instalada (oras, um trabalhador com água encanada e estradas minimamente pavimentada, é a certeza de chegar no horário de trabalho, ou seja, é um investimento para a própria empresa).

                A democracia plena é talvez a maior utopia que podemos ousar em viver. Talvez maior até que o próprio comunismo em si. Não acredito em democracia, pois ela é excludente. Se exclui não é mais do povo, e sim de um grupo, e se é de um grupo, não representa uma identidade de nação, mas sim interesses próprios. Mas eu, nessa minha eloquente forma de ver a vida, ainda acredito no povo. Sim, nesse povo que um dia irá pedir mudanças. Irá se levantar contra Renans, corrupções, discursos vazios, política do medo...

                Peço sinceras desculpas pela minha escrita apaixonada. Bem como os erros. Ainda mais pela falta de empirismo incisivo. Agradeço uma conversa com uma pessoa ao qual eu nunca vi na vida, mas em uma hora, surgiu um pequeno debate e como consequência esse post. Nessas horas que agradeço e muito o quão bom é a cada dia sermos receptivos a novas informações. As novas perspectivas. A troca de conhecimento. Ou simplesmente a troca de ausência de perspectivas no curto prazo visando o longo...

Para esse post, acompanhei o fórum do Macua, A Verdade, Moz Maníacos, O País, dentre alguns colegas que postam sobre coisas relevantes ao tema em questão, bem como demais meios de comunicação.


[1] Já escreveram sobre o totalitarismo democrático, podem ler em http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/30/27
[2] Para maiores informações sobre a história de Moçambique, pode iniciar por esse texto: http://www.pluraleditores.co.mz/PLE04.asp?area=1
[5] Sobre a opinião de uma leitora, pode ler no link: http://www.verdade.co.mz/vozes/37-hora-da-verdade/34073-carta-aberta-aos-portugueses-que-querem-vir-ou-ja-vieram-para-mocambique

Nenhum comentário: