domingo, 20 de janeiro de 2013

Música. O ar necessário.


Estou aqui, tentando concentrar para de vez conseguir escrever a espinha dorsal da monografia quando ao fundo inicia música sertaneja. E de tantos passos que eu dei, de ir para três continentes diferentes, sempre me deparei o quanto a música brasileira transpõe fronteiras que vão além da bossa nova, com “hits” tocados nas Starbucks e elevadores.

De uma forma diferente, o sertanejo invade momentos únicos. Na Europa via jovens bêbados cantando com um certo quê do breguismo nosso de cada dia. Aquele que sempre tem uma história de amor mal resolvida. De um amor ainda não curado ou de um amor novo encontrado. E isso foi em todos os países que estive. Ou seja, o sertanejo invadiu a Europa, bem como a América do Sul. Mas nada, nada se compara com o sertanejo tocado em Moçambique.

Eu era a menina de sorriso fácil nas ruelas de terra não batida. Meu sorriso e minha caneca de café, que os moradores fizeram a mamá[1] me perguntar o que eu bebia em minha caneca (deviam achar que era algo alcoólico, dado que sorrir sem motivos não é algo normal) eram coisas estranhas. E com esse sorriso, fui levando os dias. Até o dia que no caminho da sala dos professores, duas ruas depois da casa em que vivi, escutei um “pensa em mim, chore por mim, liga para mim, não não liga para eleeeee”. Apressei o passo.
Devia ser sete da manhã e os alunos estavam terminando o matinal deles. Uma menina cantava enquanto caminhavam e eu, como não poderia deixar de ser diferente, ao chegar próximo, juntei ao coro com ela. Leandra e Leonarda. Bem assim. Aqueles momentos em que não devemos nada. A vergonha e os entraves e os contratos sociais[2] que nos impedem de fazer isso, lá eu estava despida. E juntamos e cantamos. Como sempre, os alunos ficaram rindo da minha cara. Nada de anormal.

A música sertaneja, bem como Roberto Carlos é o que eles mais gostam de músicas estrangeiras nas áreas rurais. E eles escutam tudo. KLB era o hit do momento (sim, Macuse era um retorno ao passado). Na época o que tocava de sertanejo era Victor e Léo aqui no Brasil. Por lá ainda não tinha chegado o cheiro do sertanejo atual. E isso era sinônimo de viver nos pensamentos do passado. Nas músicas que embalaram invariavelmente minha infância e minha adolescência. Meu mp3 não era lá muito curtido pela minha amiga de projeto (confesso que eu a traumatizei, era só axé. Tisc tisc tisc... vivia meu momento pós micareteira).  Então o que ficou de melhor foi de música brasileira, a música sertaneja tocada no “clube”[3] bem em frente de casa.

Como antigamente no nordeste achavam que quem morasse no RJ, via todo dia os atores e atrizes globais, por lá era comum sermos perguntados se conhecíamos algum cantor. Fora as perguntas se eu era amiga do Ronaldinho. Coisas engraçadas. Coisas do cotidiano. Mas nada era mais incomum ver jovens escutando e amando as músicas do Roberto Carlos. E eles me perguntavam se eu gostava, era uma árdua tarefa tentar explicar que no Brasil RC era algo para gente acima dos 50 anos. E chega a ser irônico o RC agora retornar com uma música chiclete nas rádios brasileiras.

Mas, para uma muzunga[4] nada era mais cativante que a música local. A dança local deles. O quanto eles mexem o quadril de forma única. Tentei aprender. Minha amiga tinha muita vergonha de mim. Imagina uma pessoa acima do peso tentando dançar como eles? Pena que meu HD queimou. Tinha um vídeo meu dançando. Foi quando eu percebi o quão engraçada eram as minhas tentativas frustradas de ser dançarina. Mas nada disso impede da minha vontade de tentar dançar como eles. Ainda tento.

Bem, acho que essa semana vou deixar um vídeo da música que eu gostava por lá. Para mim essa música foi bastante importante. Principalmente nas áreas rurais, onde ainda as mulheres se sentem na obrigação de se casar cedo, ter filhos cedo e renegar a elas uma vida livre e com escolhas. Se casar é male[5].  A frase mais repetida na música. De uma forma trôpega, denuncia que o velho formato de casamento já não é mais aceito. Da mulher em casa, cuidando dos filhos enquanto os homens saem a beber já não é algo aceito pelas mulheres. A mulher se igualando e fazendo o mesmo. Não acho que igualar as coisas ruins dos homens seja melhor, porém no plano maior, são mulheres que irão começar a contestar seus maridos, falando que vão fazer igual à mulher da música. E, meus nobres, eu antes era distante do movimento feminista. Hoje eu carrego essa bandeira pacífica. A forma de tratamento dado a mulheres naquele país beira ao incomum. Estupros, violência familiar, doenças trazida pelos maridos, fome. E a lei mesmo que forte, a própria policia, políticos e ricos a ignoram. É uma das coisas que vemos na África. Fazem o que os ocidentais pedem em cartilha. Mas é ignorado em todas as instâncias do país. Ou vocês acham que o engravatado do Banco Mundial vai passar alguns meses na realidade de um moçambicano para ver se a lei realmente é além de um punhado de letras em um papel?

Mas, curtam o som do Valdemiro José na música Tá se mal.






[1]  Mamá= Mãe. Em Moçambique todas as mães são chamadas assim. Um carinho que os homens e os mais novos tem com as mães do país.
[2] Ainda explico o que eu chamo de contrato social. Podem ter certeza que não é nada filosófico. J
[3] Em algum post futuro eu falo como era esse tal clube. Bem, só para ter um pouco de noção, acho que o clube do filme For All - O Trampolim da Vitória vinha na minha memória sempre que entrava lá.

[4] Muzungo são todos os brancos. Mas muita das vezes eles chamam estrangeiros também de muzungos. Por isso não é pq a pessoa é negra que será igual a eles. A palavra muzungo para mim é algo forte e breve posto o porquê.
[5] Male quer dizer mal. Forma deles de falar o português.

Um comentário:

leonor disse...

Isso...muito bom! voce precisa escrever mais sobre essa experiencia unica!