quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Um momento de avaliar na vida de um voluntário.

Nunca sabemos ao certo porquê paramos nossas vidas para ajudar o próximo. Essa dúvida sempre permeia nossos dias. Simplesmente saímos de nossas casas, vamos dar aulas em algum pre-vestibular popular, vamos num orfanato, vamos para o Iraque, vamos para o Haiti, vamos para a África... O que nos move pode ser o amor, pode ser a loucura, pode ser a aventura, mas posso definir que o que nos move é a vontade de olhar uma criança sorrindo, mesmo estando toda suja, de ver uma mãe de família trabalhando, mesmo que seja vendendo um simples saco de arroz. Saber que o pouco que fazemos, pode ser o motivo de lembrança eterna para o próximo.

Hoje, ao acordar e preparar o café-da-manhã, a senhora que ajuda na minha casa chegou para limpar a nossa varanda. Disse para mim e para a Elis, outra brasileira que é voluntária aqui comigo, que amanhã seria feriado. Que não era para ninguém sair de casa pois a RENAMO, partido oposicionista do governo atual disse que mataria a todos que estivessem nas machambas (plantações) ou caminhando pelas ruas. Que iria explodir pontes, jogar bombas, que a guerra iria voltar. Tudo isso ela nos disse baseada no que escutou na rádio local. E lá na rádio de língua chuabo, língua local ao qual eu não entendo, disse para ninguém sair de casa. Sei que poderia aqui falarmos alguns parágrafos sobre política, mas o que me interessa nesse momento é mostrar o quanto essa senhora ficou preocupada. Essa preocupação de que a qualquer momento vai retornar a guerra civil faz com que a população sempre viva momentos tensos. Amanhã será um. Tive a oportunidade de acalmar a senhora que trabalha na minha casa, dizendo que não aconteceria nada, pois aqui estamos, nós voluntários, se acontecer algo no país, com certeza já nos teriam mandando para fora daqui. Mas, mas que se caso aconteça algo amanhã, para que venha para nossa casa, pois lá ela estará segura.

Sabemos bem que nada acontecerá, mas imagina para o restante da população? Claro e óbvio que isso é uma forma de controle, mas essa senhora, dona Celina, já sofreu tanto com a guerra, sua filha tem medo, sua mãe morreu, para quê? O que ganham com isso? Por isso e por outras é que continuamos trabalhando forte, mesmo que para alguns não seja nada, o que fazemos aqui é algo que todos os dias irei lembrar.

Mas, agora começo a entender o medo que está nos corações das pessoas que nos amam. Hoje vim para responder meus amigos e família no email, mas mais uma vez vou deixar para outro dia, pois ao abrir a página inicial vi a notícia do ocorrido no Haiti. A morte de Zilda Arns é um momento de muita reflexão para quem está fora de casa. Quando realmente decidimos fazer algo além das linhas territoriais do nosso país, sempre temos algumas pessoas que tocam o nosso coração e nos dá força. Tanto essa senhora, quanto Sergio Vieira de Mello, que faleceu no Iraque foram grandes pessoas que marcaram o que eu penso e minhas atitudes. Ambos morreram no exercício da busca eterna da paz. De que as crianças possam ser crianças, que os seus pais possam trabalhar, que um país possa ser forte o suficiente para promover a paz, a igualdade, a tolerância, o amor, a esperança... MAS, mesmo com todo o coração bondoso, mesmo no exercício do trabalho, mesmo assim, não é garantia de nada. Agora os ateus tem a certeza que Deus não existe e que tudo é uma balela, mas independente se vc é ateu ou não, se vc é cristão, mulçumano, independente, independente da sua religião e opção, saibam de coração que até nesses momentos a paz existe. É como ir descansar depois de um dia intenso no trabalho que vc tinha tudo, tudo para brigar com seu colega, de xingar o seu chefe, mas vc, não fez. Não pq vc precisa do emprego, mas que o seu amor e pelo fato de sua alma ser maior que todas as dores humanas que nós mesmos nos damos.

Eles estão descansando. Sabendo muito bem que de tudo fizeram. E nessa louca busca pela paz, igualdade, esperança e sorrisos nos olhos e bocas das crianças, assim vamos acreditando. Pelo que conheço bem da minha família e amigos, que muito ficaram preocupados no caso da brasileira que morreu aqui na África de malária, sei que agora estarão preocupados também. Pode ser por acharem injusto, como muitos brasileiros devem estar pensando agora. Escuto no meu coração numa roda de amigos em algum canto desse brasilzão, pessoas comuns, uma pessoa com a opinião de "isso que dá querer ajudar os outros!", mas se eu fosse somente 10% dessa senhora ou 10% do SVM, posso dizer de coração que estaria descansando muito feliz. Eles deram o recado deles, vieram para agregar, não tiveram medo, com certeza tiveram muitas pedras e pessoas negativas no caminho, mas seguiram o caminho. O Obama, sabe lá o pq, recebeu o prêmio Nobel da Paz, pode ser que eu seja injusta, mas não vejo o motivo ao qual que não seja simplesmente o fato de ser o primeiro presidente negro numa grande nação. Ele ainda está iniciando o trabalho e já foi contemplado com esse prêmio. Mas como é de praxe em grandes prêmios, não traduz a realidade. Dedicaria um prêmio de paz a todos que morreram na busca de dias melhores no Brasil, no mundo, como eles, como os militares que assim faleceram nesse trágico terremoto.

Para minha família, para os meus amigos, para as pessoas que aqui estão lendo meu blog, hoje, hoje eu tenho a certeza que a vida que escolhi não posso parar. Deu uma vontade louca de voar até o Haiti e ajudar no resgate, brincar com as crianças, os novos órfãos. Toda a ajuda moral que tive durante esse meu trajeto até finalizar os meus dias aqui em Moçambique me faz crer que nunca serei uma Zilda Arns, nunca serei uma grande humanitária, mas sim, que o pouco que eu tenho, essas minhas duas mãos, essas minhas duas pernas podem e muito fazer algo por alguns. Agradeço nesse momento estar aqui hoje, em Macuse, Moçambique. De ter dançado na chuva.

Sim, já estava no ponto de beber água amarela pq o que no Brasil está em excesso, aqui está escasso, chuva. Estamos com medo de o arroz não semear a tempo, de vir fome. Quando as primeiras gotas cairam, dona Celina me disse que não era para eu ficar feliz, pois a chuvinha ainda não era nada. A chuva cresceu, fui la fora, dancei, as mamás sorriam, estava feliz, chuva=água para beber boa!, mas ainda não era o suficiente, dona Celina me disse que a chuvada só tinha dado para beber água, então, quando depois de algumas horas, a chuva forte veio novamente, vi no fundo dos olhos dela a alegria que poderia ir para a machamba (plantação, jardinagem, horta, seja lá o nome em português...rs), que ela poderia plantar no sábado que a terra vai germinar os frutos!, que a machamba dela de arroz, depois daquela chuva vai iniciar o crescimento... o medo de passar fome é muito grande, a chuva foi a benção e hoje poder ter dançado e tomado banho nela, refrescou a minha alma e me encheu de esperança e alegria novamente. O que para vocês pode ser pouco, para quem está aqui, lado a lado com a comunidade, escutando as necessidades deles, a chuva veio para coroar a despedida que se inicia nesse final de semana para mim. Não tardará, e em algumas semanas irei embora. Mas o dia de hoje estará sempre marcado no meu coração. E, continuem rezando, pq as chuvas tem que continuar por alguns dias...

Gente, desculpe ter postado errado a conta-corrente. Já postei a correta e muito estou feliz em saber que consegui até esse momento a quantia de R$350,00. Não tenho palavras para agradecer ao meu amigo Chico, a minha tia Ruth, que mesmo estando numa festa infantil, mostrou fotos e pediu doações para a escolinha local. Agradeço a minha mãe, que mesmo com muita vergonha, está conseguindo levar para frente esse esforço. Sozinha eu não sou nada, juntos mostramos nossa força. Posso estar aqui com as mãos, mas sem essas pessoas e todos que me ajudaram, de nada seria o meu trabalho.

Paralelo a essas doações, botamos no mercado local para vender tanto as minhas roupas e acessórios, tanto quanto as roupas e acessórios da Elis. Minha mala voltará quase vazia, vendi coisas que para mim tinha uma importância sentimental muito grande, mas sei que nada disso adianta, pois estou aqui agora, e aqui eu posso fazer algo. Estou vendendo meu tênis, camisa do Brasil, óculos escuros, brinco e pára tudo, estou vendendo a camisa do CHE MADRUGA! rs... Quero deixar aqui a camisa que marcou todos os meus momentos antes e durante África. A camisa que me marcou e muito.

Bem gente, é isso. Desculpem se demoro a responder emails, mas são escolhas, e nesse momento preferi postar aqui para todos, depois de tamanha comoção que tive ao ler na capa do jornal os acontecimentos no Haiti. Força Brasil!, vamos superar essa época de chuva forte. Vamos ajudar os nossos vizinhos caso seja necessário. Não há a necessidade de vir para a África para fazer algo para o próximo. Quem ajuda, se ajuda duas vezes.

Continuo com a campanha ate a próxima segunda. Quem puder e quiser contribuir, a conta está no post abaixo. Manda um email para mim ou para minha mãe confirmando o valor e o seu nome. Caso não queira que o seu nome apareça, simplesmente confirme o depósito.

Semana que vem saio em busca de material escolar, bola, copos e baldes para a criançada. Isso eu irei conseguir, queria conseguir fazer um uniforme, ja que mal as crianças tem roupa para se vestir, mas para isso eu precisaria pelo menos mais R$ 300,00, imaginem que com essa quantia posso fazer roupa para 92 crianças. Mas o importante é o dinheiro do material que está, na sua simplicidade garantido. Estou com expectativa de voltar aos EUA e levantar mais fundos para compra de brinquedos, roupas e expandir a escolinha com mais uma professora para essa região. Mas, vamos ver se isso será possível. Acho que será dificil, mas essa é uma das pedras que nós sempre teremos que tentar tirar. Correr atrás dos sonhos é o caminho mais curto para a felicidade.

Obrigada a todos,

Meus sinceros pesares a familiares e amigos da senhora Arns.

"Não são nossas habilidades que mostram o que nós somos, sim nossas escolhas."

Bia

3 comentários:

Thiago disse...

Bravo Bia! Para quem acompanhou a sua tragetória um pedacinho como eu, sinto querer estar aí. E pra quem ainda precisa daquele final de fundraising que voce sabe, ler seu post causa arrepio. Primeiro pq não tenho um p!%to pra te ajudar. A grana acabou, a energia acabou, o programa esta acabando. só nao acaba o fundraising. Segundo que a gente ergue tanta grana, são thousands of dollars pra manter essa p#!ra de escola de voluntário. Eu não sei nem o que dizer. Daqui um mês eu e a Gabi estamos indo pra Nhamatanda. Seja lá o que Allah quiser.

F.Mendes disse...

Biao, minha irma do coracao! Muito emocionante seu texto. Queria poder ajudar mais, mas, voce sabe como e.
Se pararmos pra pensar do porque fazemos o que fazemos, nos simplesmente nao temos explicacoes racionais para a maioria das pessoas. Tudo que nos podemos dizer e que nos fizemos o que nossos coracoes nos pediram. Voce, assim como eu e muitos outros voluntarios, sabe o quao valioso e ver uma mae, uma avo ou uam crianca sorrir por uma coisa qualquer e te dizer um "muito obrigado". Isso, sim, nao tem preco. Fica com Deus e se cuida, nso veremos muito em breve, minha amiga. Beijao!

Wernner Lucas disse...

Lindissimo texto Bia, quero ter a honra de continuar teu trabalho e fazer algo tao bom quanto voce.
Que lindo seu texto...cativante realmente...
Eh o fundraising nunca acaba mesmo.
Tomei trauma dessa palavra...haha
Mas vamos que nada pode nos parar...