quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Um pé sem chão


Sabe aquele momento que você se encontra um pouco perdid0? É, talvez seja esse momento que eu esteja vivendo.


Compartilho agora a angústia ao qual me encontro, prestes a terminar meus dias aqui em Moçambique, estou pensando o que será o meu futuro. Muitas possibilidades, poucas soluções e muitos sonhos fazem esses meus dias se tornarem pesados.


Há 30 minutos atrás terminei minha aula de Política Internacional Atual para o curso de combatentes da pobreza aqui na universidade ao qual estou nos últimos 10 dias. Bem, foi uma aula muito boa, eu terminei pq tinha que terminar. Os alunos queriam mais e mais, e eu já tinha estourado o tempo em 26 minutos. Terminei com aquele gostinho: "pq não voltar a faculdade, terminar a graduação e ser professora?". Não que eu não vá me formar, mas isso era um plano que iria adiar por pelo menos 2 ou 3 anos. Mas bateu agora, nesse momento, parar essa minha vida de querer ver o mundo, ganhar graduação, estudar e aliar isso a essa minha vida de voluntária. Não sei.


Imagine que você viveu a vida toda num bairro. Nunca saiu dele, pois lá tinha tudo que você precisava. Mas, um dia, por azar do destino, você se perdeu e caiu no bairro vizinho. Vc viu um mundo novo. Vc acha que ficar dentro do seu bairro agora, com um novo bairro desconhecido a ser explorado é possível? Bem, esse é o meu atual "Ser ou não ser, eis a questão."


Não me desfazendo do mundo dos intercambistas e dos viajantes da europa, quem sou eu pra falar mal, mas essa vida de conhecer a realidade do país crua, como foi a dos EUA, de estar em bairros totalmente pobres e bem ricos, de vir pra cá, conhecer tanto a área rural, como a área urbana, enfim, estar dentro da realidade do país me deixa com aquela sensação que se eu voltar pra faculdade, o máximo que poderei fazer é conhecer um país por um tempo pouco, num pacote da CVC ou num mochilão louco da vida por umas semaninhas. Nada como a experiência total e verdadeira que eu tive. De conversar com as pessoas, de conhecer a realidade dura e pura, seja de um país pobre, seja de um país rico, me leva a crer que nada traduz a realidade de um povo que ele mesmo. E o único canal para conhecer a realidade será os seus olhos. Livro, tv, jornais e revistas traduzem a foto, um momento como total realidade, não nos mostra os detalhes de uma sala de aula de criança de 7 anos, não nos mostra como o meio ao qual vive dá sentido a muitas coisas e situações.


"E agora José?, José para aonde?" Tudo isso traduz o meu sentimento de voltar ao Brasil ou não, ir para os EUA e ficar lá um tempo ou não, voltar para a África daqui há alguns meses ou não. E nisso tudo, o que vou fazer nesses lugares? Meu medo de voltar ao Brasil e voltar para a facul, é de matar uma das crianças mimadas do meu curso. Amo RI, mas conheço o povo de lá, a grande maioria vem de famílias com poder aquisitivo considerado e que acha que Malhação, Jornal Nacional, MTV, Globo News e CNN são as melhores coisas do mundo. Leem livros e acham que quanto mais leem, mais inteligentes são. Sabem de muitas teorias, mas ainda acreditam que Leis trabalhistas, mercado fechado para alguns setores, enfim, coisas que não sejam liberais, é idéia de gente estúpida. Mal sabem o que é África, mas tem toda a certeza que aqui tem um bando de pessoas sem futuro, um lugar para esquecer. Acham que a Europa e EUA é o centro da razão mundial... não são todos que pensam assim, óbvio, mas quando saí do meu ambiente acadêmico, estava no meio de um fogo cruzado que me via com poucos ao meu lado nesse meu pensamento social e humanista. Esses poucos ainda permanecem lendo o meu blog e conversando comigo. A maioria ou tem essa opinião, ou esperam ler algum livro que dê uma noção de qual lado vão ficar. Livros... ah os livros. Amo ler, mas cada vez mais tenho raiva dos livros que se mostram com a total razão.


Ficar nos EUA por um tempo estudando seria uma ótima. Todos sabem que é difícil para um brasileiro assalariado como eu ter o oportunidade de estudar por lá. Estando dentro do país fica bem fácil, mas, ainda assim é os EUA, terra de gente que acha que o Brasil fica na África e que Mozambique ainda é colônia de algum país europeu.


Voltar para África seria algo que mais me intriga e mais me motiva. Aqui tive dias ruins, ruins, ruins e bons. Sim, vc acha que viver no mato é fácil? Bonito e motivante, mas ter q beber água amarela, ter q comer arroz e feijão e batata doce, ter q economizar água no banho que é de caneca, ter q andar 45 minutos para comprar um pão, não ter nada além de mato, terra e lua nas sextas a noite, ce acha q é fácil? Desculpem mas os dias ruins superam os bons de certo. Claro q foi maravilhoso o meu trabalho, amo a comunidade e tudo, mas nao ter nada além dos seus pensamentos e os pensamentos da Elis pra trocar, pq nem TV nem Internet e nem um bom livro tinha, cansa... cansa e muito. Mas, com tudo isso, com tudo que passei aqui, e nesse meio, ouso citar o mês que não consegui dormir, com medo de entrarem na minha casa pelo fato de quase ter caído numa grande armadilha para um cara que confiei tentar fazer sexo comigo a força, com tudo isso, ainda penso em voltar para cá.


Aqui na África vc precisa entender o local. Hj ganhei um medo de homens, mas entendo que eles não são iguais aos nossos, ainda o fato de eu ser "branca", mexem muito com eles, então, sabendo como lidar e a quem pedir e aceitar ajuda, tudo isso faz com que hj eu me sinta mais a vontade aqui, já entenda o que fazer e como fazer, aonde ir e não ir, quem eu posso conversar ou não.


Aqui há muito trabalho. Tudo é novo. Tudo que trazemos é novo para eles. O simples é muito. Até minha parca inteligência é positiva aqui. Ainda lembro de um dos coordenadores do meu curso, a forma que ele me via, simplesmente pq qdo eu estudava, vivia no celular pq tinha tb q ajudar meus colegas no trabalho. Aqui o pouco que ele teimava em me testar e até me tirar pontos de uma prova pq com certeza achava q eu tinha colado, esse pouco é bem útil. Isso me motiva, me cativa. Não que eu queira ser o centro das atenções, mas simplesmente promover a vontade de eles buscarem por eles mesmos as respostas para os problemas dos países deles, conseguir ajuda pras crianças estudarem, abrir os olhos deles com novas formas de ver o mundo, enfim, tudo isso me deixa bem feliz. Mas, ainda há o grande porém: como viver sem amigos e família.


Bem, nesse interím, cá estou eu, na minha busca eterna do meu futuro. Sei que assim que chegar nos EUA, e rever os amigos que lá fiz, e principalmente rever a Carol, vai fazer eu repensar o meu futuro. Hj posso dizer que estou muito tentada em voltar pra cá o quanto antes, estudar RI aqui msm em Moçambique, mas, lá eu terei a certeza.


Tenho que voltar para os EUA pra dar cursos para os novos voluntários, chamamos de Camp Future, mas ainda estou pensando se realmente vale a pena eu perder dois meses da minha vida fazendo isso para muitos que não querem nem saber do meu trabalho, só querem reclamar da vida e cairam nessa de ser voluntários pq é a forma mais barata de conhecer o mundo. Até pq o fato de sair daqui sem saber ao certo o que irei fazer depois de tudo que eu vivi, desculpe, não vale a pena. Acho que no Brasil tem mais gente querendo saber do meu trabalho aqui e das minhas experiências do que lá. Chega ser engraçado eu ler as pessoas me pedindo para voltar pq querem que eu cozinhe algo q eles gostam, pq querem me rever, mas ainda não escutei nada sobre mostrar o meu trabalho lá, isso me desmotiva e muito. A ONG de uma forma geral, ajuda e muito, muita gente, mas o caminho dos voluntários é tortuoso, eles esquecem que querem vir para África ou outro país e só conseguem enxergar os problemas no caminho, não vejo muita gente que trabalha pela ONG tentando motivar os voluntários, querem que eles sejam grandinhos e parem de reclamar, não são humanos conosco, isso me desmotiva. Não vejo eles tb na busca de pessoas boas para trabalhar com eles, acho que eu nunca seria o perfil ideal de trabalhadora para eles (apesar de todos os voluntários serem convidados a continuar a trabalhar com eles), pois gosto de motivar, de olhar quando estamos errados, fazer mea culpa para achar soluções e todos ficarem felizes... essa sou eu. Posso falar um inglês porco, um português louco, um portunhol barato, mas minha essência fica bem clara para todos, e isso pesa muito. Como a música da Sandra de Sá e Gabriel o Pensador, "Eu não devo nada a ninguém, eu não sou do mal nem do bem, estou fazendo a minha estrada sem pedir carona", eu simplesmente quero tentar algo, e ver que mesmo eu não sendo um grande nome, consegui inspirar pessoas a serem. Ou simplesmente acharem a estrada certa para trilharem, sem pensar que sucesso e reconhecimento seja a principal coisa da vida, somente pensando que se plantarmos o bem, colheremos o bem, e que esse bem não quer dizer que temos que ser 100% calados e concordarmos com tudo que vemos. As vezes gritar, se estressar, ser aquela pessoazinha que fala algo totalmente diferente para todos pensarem, e que muitos pensam que é algo ruim, simplesmente é para as pessoas pararem de usar o senso comum como o caminho mais curto para a felicidade.


Díficil o post de hj. Difícil mesmo, pois estou falando de algo que é o meu eu, como eu vejo a vida. Meus tempos aqui me mudaram e muito. Minha essência é a mesma, mas mudei muito. Acho que não consigo mais aturar aquele patrão que foi posto no cargo pq é amigo de alguém, mas que olha os outros como se fossem um empregadinho qualquer. Acho que não consigo passar por um cara que acabou de furar o sinal numa avenida cheia de criança sem o perseguir e falar umas boas verdades na cara dele. Acho que não consigo ficar calada e seguir minha vida qdo eu ver alguém sendo roubado na rua. Acho que não consigo mais entrar na minha casa, cada vez mais trabalhar e fazer dela melhor, esquecendo que a minha volta, nesse mundo, muitos ainda morrem de fome, de ignorância, de Aids, de cólera, de caxumba, de malária, de diarréia... sem tentar fazer algo, pelo menos para alguns.


Sei que não posso mudar o mundo, mas se cada um contribuir um pouco, seja nas atitudes pessoais, seja com o seu tempo, esse mundo pode ser mudado. Não precisamos de políticos para vivermos na paz, precisamos que nós, que somos grande maioria, promover ela em cada atitude. A geração que está crescendo agora precisa de boas influências que esteja acima de qualquer TV.


Desculpe meu momento eu. Estou chorando por dentro. Ainda não sei que caminho escolher. O medo me assola. Mas, está no momento de decidir e será isso que vou fazer nesse mês que se iniciou. Sei que qualquer que seja o meu futuro, irei perder de um lado. Mas a balança principal é o coração e a felicidade, então, vamos atrás dela, pq o que queremos é que o sol esteja sempre brilhando na nossa janela!


Obrigada a todos que leem.


Bom Carnaval!


Pros brazucas e amigos q estao vindo para África - BOA SORTE E ENJOYEM cada momentinho!


Pra galera q está em fundraising pra vir pra cá - Cada alegria e tristeza vale a pena, e no final, vcs irão perceber que tudo faz parte de um aprendizado único da vida!


Se alguém se sentiu incomodado com minhas palavras de hj, peço desculpas sinceras.


Com todo o meu coração,


Bia Vilela

3 comentários:

F.Mendes disse...

Biao, e uma decisao muito seria, como sempre. A vida e feita de escolhas e elas decisivas para o rumo que a mesma toma. Sei oq ue voce ta passando e to na mesma situacao. E complicado...
Biao, so quem foi PF ou DI num projeto de pais pobre sabe e entende o que voce ta falando. Nao e facil, mas, o aprendizado e excelente. E pra poucos. E nos somos esses "poucos"...
Beijao!

Wernner Lucas disse...

lindas palavras...sei o que eh desafar em um texto sempre faco isso... pensando muito aqui no meu futuro ai e como vai ser tudo...espero conseguir realizar tudo que imagino e cada projeto que tenho para fazer ai...
espero te encontrar no Brasil depois de isso tudo...
E espero que tudo de certo pra vc daqui pra frente e que voce consiga achar as respostas....e que dificeis elas sao, ne?

Unknown disse...

Olá, gostei da parte que nos toca sobre tudo que reporta os níveis de pobreza. porém, acho que se tivesse ido para algum distrito certamente não lha teria faltado luz para ler um bom livro! veja que mesmo os EUA não tem livrarias e bibliotecas espalhadas até nas suas savanas e florestas não obstante lá se encontrarem pessoas.

A outra coisa que gostei é o facto de alguns homens Moçambicano serem meio iguais ao homens brasileiros obrigarem a mulher a praticar sexo já ví cenas iguais na "Cidade alerta".

Enfim, gostei de mais coisas é o caso da hospitalidade dos moçambicanos que chega a se confundir com o reconhecimento de culpa no cartório ao ponto de algumas anarquias que tentas nos repotar.

Já discubriu como a negretude mexe com os brancos?!... Bjns